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Executivo de Valor, Ano 6, no. 6, 11/04/06

0 Brasil precisa valorizar os exemplos bem-sucedidos da música, do esporte e do cinema para melhorar sua classificação no Índice Global da Classe Criativa.

MARÍLIA DE CAMARGO CESAR DE SÃO PAULO

Os executivos e empresários brasileiros precisam romper com os velhos padrões e conceitos ligados á economia da chamada era industrial e considerar seriamente os ativos que o país já possui e ainda pode desenvolver na nova era da criatividade. Aproveitar os bem-sucedidos exemplos nativos que fazem sucesso no mundo todo nos campos da música, do esporte e, agora, também do cinema, valorizá-los e construir uma indústria de excelência sobre esses valores é uma forma de melhorar a posição brasileira no chamado índice Global da Classe Criativa.

Este índice foi desenvolvido pelo economista americano Richard Florida, considerado um dos importantes pensadores econômicos (para não dizer gurus) da atualidade.

Numa entrevista exclusiva ao Executivo de Valor, o professor Florida, que dá aulas na Escola de Políticas Públicas da George Mason; University, em Fairfax, Virgínia, diz que gostaria de aprofundar seus estudos sobre as causas que levam o Brasil a apresentar um desempenho tão ruim quando o assunto é a economia criativa. Num ranking de 45 países realizado para o seu mais recente livro, "O Vôo da Classe Criativa" (Harper Business - 2005), o Brasil só ganha do Peru e da Romênia, ou seja, fica na 43a posição. "Vocês precisam começar a pensar a economia brasileira de uma nova forma. Pensar nela de um jeito holístico, como uma economia criativa. E a partir daí começar a compreender suas forças e suas fragilidades", diz Florida.

O Índice Global da Classe Criativa leva em conta o que Florida chama de três tês do desenvolvimento econômico: talento, tecnologia e tolerância. Os países que ocupam a dianteira nessa lista, Suécia, Japão e Finlândia, e em quarto lugar, os EUA, são mais capazes que os demais países de produzir tecnologia e pesquisa, atrair, reter e cultivar cidadãos criativos e produzir um ambiente satisfatório para que suas idéias inovadoras sejam executadas e, desta forma, a economia prospere.
Florida diz que sua próxima pesquisa irá mapear as cem maiores cidades do
mundo e vai estabelecer um ranking de criatividade para esses grandes centros urbanos. "A economia criativa está ficando cada vez mais centralizada nas grandes cidades", afirma o economista.
Richard Florida escreveu também "A Ascensão da Classe Criativa", um best-seller que foi nomeado pela Harvard Business Review, em 2004, como uma das principais idéias inovadoras naquele ano. Florida graduou-se pela Rutgers College e é Ph.D. pela Columbia University. Ele mora em Washington, D.C., de onde concedeu a seguinte entrevista:

Entrevista

Valor: 0 diretor de cinema brasileiro Fernando Meirelles é conhecido há bastante tempo por seu talento no Brasil. Mas somente agora que a academia americana de artes concede a seu filme "0 Jardineiro Fiel" um Oscar é que o seu nome deverá ser revelado em termos globais. Seria este um exemplo de como os talentos criativos de países emergentes sempre precisarão ser legitimados pelos países mais ricos? Isso vale para outros setores da economia?

Richard Florida: Em primeiro lugar parabéns pelo Oscar. Eu assisti á entrega do Oscar com grande interesse e percebi que em muitos dos campos técnicos cidadãos não-americanos levaram prêmios, por exemplo, um brasileiro, um argentino ou neo-zelandeses. O que isso realmente reflete é que os países ricos são dependentes do fluxo de talentos das economias emergentes. Para essas economias, e se você olha para o sucesso de Peter Jackson na Nova Zelândia -o diretor dos premiadíssimos episódios de "O Senhor dos Anéis" -a coisa certa a fazer é começar a capitalizar os talentos que estão sendo produzidos ali. No caso do Brasil, que realmente pode se posicionar bem e prosperar na era da criatividade e do entretenimento, isso significa ver a economia não apenas como uma economia movida a recursos naturais ou a manufaturas, ou uma economia impulsionada por ser centro de desenvolvimento de baixo custo, mas ver a criatividade como um ativo-chave. E construir uma indústria, não apenas exportar os produtos. Claro que você sempre estará ligado aos grandes centros como Los Angeles, Londres ou Tóquio. Mas você tem que construir os centros de excelência e de capacitação criativa no Brasil. Para que isso se desenvolva não apenas uma, mas muitas e muitas pessoas criativas.

Valor: Como se constrói esses setores quando se é o campeão dos juros altos do mundo e quando nossa taxa de PhDs e de inovação ainda são tão baixas?

Florida: Vocês precisam definitivamente aumentar esse percentual de PhDs, mas também há que se perceber que pessoas criativas não precisam necessariamente ter um doutorado. Cada indivíduo é um ser criativo e o Brasil, não apenas em filmes, mas na música, por exemplo, criou formas artísticas que o mundo todo morreria para ter. É preciso concentrar-se nas áreas da criatividade que o país tem força e garantir que haja investimentos e apoio para essas áreas.

Valor: 0 que nossos executivos poderiam aprender dessas áreas culturais nas quais o Brasil já é reconhecido internacionalmente, como esportes ou música, a fim de se tornar mais criativos?

Florida: Primeiro, eles precisam perceber que essas áreas são muito importantes. Isso significa romper com o conceito da economia industrial. E entender que o que adiciona valor a qualquer economia é justamente a criatividade. Quando se tem em mente o Brasil, a primeira coisa a fazer é começar a analisar seus ativos criativos e isso é o que a maioria das pessoas não quer fazer ou tem medo de fazer. A maioria dos empresários que tenta desenvolver estratégias ainda está presa às velhas categorias ou às estatísticas e padrões da velha era industrial. Você precisa começar a pensar a economia brasileira de uma nova forma. Pensar nela de um jeito holístico, como uma economia criativa. A partir daí começar a compreender suas forças e suas fragilidades.

Valor: Um dos problemas é que ainda existe uma cultura no setor privado de dependência do governo para financiamento ou mesmo para tomar decisões. Isso precisa mudar para que o país entre na era criativa?

Florida: A economia criativa é baseada na auto-expressão e no esforço individual. O governo pode e deve apoiar isso. Acho que o que os governos podem fazer nesta era criativa não é apenas dar apoio às indústrias ou visar o bem-estar social, mas ter certeza que o país está aberto para valorizar a expressão pessoal e o esforço dos indivíduos. Outra coisa que pode ser um problema é que em vez de incentivar novas idéias, novos segmentos e de recompensar os esforços empreendedores, ele protege indústrias decadentes. Isso ocorre nos Estados Unidos e em muitos países emergentes. Pode-se dizer que o que muitos governos fazem com a economia não é subsidiar novas atividades econômicas, mas as velhas indústrias decadentes. Isso é um grande erro.

Valor: A intuição é vista como uma qualidade muito desejável para os executivos hoje. Como a intuição e a criatividade se complementam?

Florida: Todo ser humano tem uma criatividade incrível e a capacidade de desenvolver seus próprios talentos, habilidades e de fazer julgamentos mais intuitivos e tomar decisões mais embasadas. O problema é que nós reprimimos isso e arrancamos essa criatividade das pessoas. Em particular os homens são levados a não serem criativos e não serem intuitivos. Estas seriam características femininas. Isso é um erro enorme. Para impulsionar o desempenho nas empresas, as pessoas terão que fazer julgamentos melhores, mais rapidamente e terão que ser mais criativos e agregar idéias inovadoras. São duas faces da mesma moeda. Precisamos fazer as duas coisas melhor.

Valor: 0 senhor acredita que a tecnologia muitas vezes pode prejudicar ou ser “um obstáculo ao fluxo de idéias inovadoras” no ambiente de trabalho?

Florida: É verdade. Ou usamos a tecnologia para suplementar a tomada de decisões humanas ou para substituir o ser humano. Devemos usá-la para suplementar e não para substituir as decisões humanas. Na era industrial, a tendência era substituir as habilidades, capacitações e o pensamento dos trabalhadores. Mas os japoneses da Toyota nos mostraram o jeito certo: é o julgamento dos trabalhadores, a intuição e o pensamento deles o que realmente importa. A tecnologia pode servir para apoiar isso. Tecnologia não deve servir para suplantar o julgamento dos indivíduos, mas sim para valorizá-lo.

Valor: Vemos no Brasil um movimento de executivos de grandes empresas voltando ás aulas para obter seus títulos de doutorado. De que forma essa tendência ajuda a formar empresas mais criativas?

Florida: Ás vezes acreditamos que ter mais educação e mais credenciais significa ser mais criativo. Isso é outro erro. Há algumas áreas em que a formação pode ajudar com a criatividade. Mas nos Estados Unidos vemos uma tendência oposta. Muitas das pessoas mais criativas estão saindo das escolas. Se você pegar a liderança do setor da alta tecnologia, a maioria está saindo. Não acho que a educação sozinha ou os diplomas e as credenciais de alguém sejam a resposta. Talvez com o tempo o sistema educacional não reprima tanto a criatividade das pessoas.

Valor: Por que o Brasil tem uma performance tão pobre no seu novo índice de criatividade global?

Florida: O país está atrás de índia e México, mas á frente apenas de Peru e Romênia. Gostaria de fazer um aprofundamento sobre o Brasil porque nas grandes cidades deve haver muito patrimônio criativo. Mas os dados sobre a classe criativa não estão disponíveis. Vocês precisam investir em criatividade e construir uma estratégia. O que acontece no Brasil é que o país é muito desigual quando se trata de criar capacitações. Em algumas das grandes cidades há muito mais expressão da criatividade e o que é preciso fazer é construir sobre isso e estender essas qualidades para todo o país.

Valor: Do que vai tratar a sua próxima pesquisa?

Florida: Estamos trabalhando agora nas cem maiores cidades do mundo e tentando fazer um ranking de criatividade para essas cidades mais importantes. A economia criativa está ficando cada vez mais centralizada nas grandes cidades. Estamos tentando olhar essas regiões e percebendo como o mundo está se tornando cada vez mais cheio de contrastes.

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